28.7.11

Eu chamo a polícia!

Era um sábado como outro qualquer. Na época, eu trabalhava em Itapuã, e, apesar de morar pela região, geralmente saía do trabalho e ia pra Liberdade, independente da hora que fosse. Pra quem não está muito familiarizado com a geografia de Salvador, basta dizer que eu levava umas duas horas pra chegar lá se o segundo ônibus não demorasse muito. Mas enfim.

Era sábado, por volta de meio-dia, e eu estava dentro de um Estação Pirajá que sacolejava mais que carroça puxada por jumento. Fazia um calor infernal, o trânsito estava infernal, e eu tenho certeza de que já fazia mais de 15 minutos que eu estava sentada naquele ônibus e minha casa, a 15 minutos de caminhada do trabalho, ainda não estava nem perto. O ônibus, para melhorar, estava entupido de todo tipo de gente: ratos de praia fedendo a sargasso, vendedores de toda sorte de quinquilharia, patricinhas e gente saindo do trabalho. De alguma forma, consegui sentar na janela, coloquei meus fones de ouvido e me concentrei em ignorar o mundo.

Um daqueles vendedores de algum abrigo para pessoas dependentes de narcóticos entrou no ônibus, vestido de palhaço e mais implorando do que de fato tentando vender alguma coisa. Como sempre acontece, foi solenemente ignorado pela grande maioria, inclusive por mim, que estava, para completar, com o mau humor da vida toda. De repente, sem maiores avisos prévios, uma mulher que estava sentada na frente do ônibus levanta, dá algumas moedas pro rapaz e começa a xingar todo mundo.

Não é aquela xingadela resmungada por baixo da respiração, estilo "cambada de filho da puta casquinha" nem nada do tipo. Foi uma xingada de respeito. Levantou do banco em que estava sentada, encheu os pulmões e começou a apontar o dedo na cara de todo mundo.

- Vocês são todos uns falsos cristãos! Ficam aí defendendo o amor ao próximo, mas ninguém tem um trocadinho pra dar pra ajudar os outros! Pois eu DUVIDO que ninguém tenha dinheiro pra doar aí! Todo mundo usando calça de mil reais e blusa de quatrocentos...

Nessa hora eu já comecei a engasgar de rir. Olhei pras minhas calças - presente de uma tia, não deviam ter custado nem trinta reais - e a blusa do uniforme do trabalho, e me perguntei de onde que ela tinha tirado que era todo mundo rico. Garanto que se eu fosse rica não estava naquele ônibus. Mas ela não parou por aí.

- Todo mundo com cara de rico e ninguém quer ajudar ninguém! E eu aqui, ganhando minha vida vendendo coentro numa barraquinha em Peri Peri, não me envergonho de fazer o que posso pra ajudar! Vocês são todos uns hipócritas!

A essa altura metade do ônibus já estava cochichando, comentando com quem estivesse próximo a atitude da velha. Um mais gaiato berrou, "cala a boca, velha maluca!" antes de descer do ônibus. Foi o que bastou pra ela se inflamar. Levantou do banco, veio mais pro fundoe parou exatamente do meu lado.

- Cadê? Cadê esse covarde que me mandou calar a boca? Fala na minha cara, filho da puta, que eu te encho de porrada! Cadê? Na minha frente não tem coragem não, é?

- Ele já desceu, senhora!

- Desceu? Filho da puta! Para esse ônibus, motorista, para que eu quero ir na delegacia prestar queixa. Tá pensando o quê? Eu não tenho pena quando mauricinho amanhece com a boca de formiga na beira do morro não! Traficante não mata por nada não! Se tá morto, é porque fez alguma coisa que não devia. Quando a galera lá da minha área tem problema, eles vão é pedir ajuda pros traficantes. Eu não. Eu nem me abalo não. Eu chamo é a poliííííííííííííciaaaaaaa!

Eu quase me dobrava de rir do jeito que ela berrava "polícia".

- Olha, e vocês tão pensando o que? Eu não sou crente não! Minha religião é a CACHAÇA! Mas meu único pecado é gostar do marido das outras. Motorista, para esse ônibus que eu vou descer é aqui mesmo. Cambada de filho da puta hipócrita.

Desceu do ônibus. Subitamente, tudo ficou chato. Enfiei os fones de novo nos ouvidos e aproveitei o restante das horas de viagem.

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