25.1.12

Por todos os caminhos

E aí eu olho ao meu redor e vejo tanta, mas tanta gente escrevendo sobre problemas e esperanças e lutas e afincos e me identifico com cada palavra, cada vírgula. É um sentimento esquisito esse de se sentir capaz de entender todas as dores do mundo. As músicas dos outros cantam meus sofrimentos; os textos e filmes alheios contam pra mim direitinho tudo o que espero do meu futuro, tudo o que eu já sei que vai acontecer, e que sei porque sinto nos meus ossos que estou fadada a quebrar a cara e continuar tentando incessantemente até que um dia dê certo. Não gosto disso. Não de saber até onde posso ir, essa parte é tranquila. Mas não gosto de ver minha história escrita em palavras alheias, nas paredes avulsas, tatuada em outras peles. Preciso parar de viver a vida que todo mundo já viveu e encontrar meu próprio caminho. Cada dia mais me convenço de que tá passando da hora de jogar a mochila nas costas de novo e, mais uma vez, seguir pela estrada menos viajada. Até o dia em que chegar a um precipício.

24.1.12

Gatas extraordinárias

Eu tava lá, de boa com o brother, quando de repente surgiu uma língua a mais na jogada. Não que eu me importasse - não faço muito o tipo ciumenta, todo mundo sabe disso. Só fiquei meio curiosa com o "de onde essa gata saiu", porque olha, a morena era linda demais, e aparentemente me queria tanto quanto queria o cara.

Depois de algumas idas, vindas, idas e vindas, finalmente acalmamos nossos corpos e corações e pude conversar um pouco com a morena. Ela me explicou que era casada com o cara há não sei quantos anos, e que ambos eram meio chegados nessas liberalidades de troca de casais, menáge, o escambau. Achei mais do que digno, e fiz questão de deixar isso bem claro.

Aí ela me disse que na verdade eles dois se juntaram porque tinham um detalhe tenso em comum. Por meio segundo me assustei, mas lembrei que tinha visto a mulher de tudo que era ângulo e não vi nem sinal de bônus, então consegui recuperar a calma o suficiente pra perguntar o que era.

Nessa hora ela virou um gato.

Juro pra vocês, ela se transformou num gato listrado cinzento minúsculo assim, sem mais nem porquê, bem na minha frente.

E foi essa a hora que o marido dela, que tinha ido tomar um bom banho, escolheu voltar pro quarto. Quando viu que o segredo tinha sido revelado, ficou puto e saiu de novo. Voltou com uma arma na mão.

- Da qual foi, muito doido? - perguntei pro cara - Vai pipocar a brother só porque ela me contou o segredo?

- Nós tinhamos um pacto. No momento em que alguém descobrisse sobre nossa real identidade, nós dois precisaríamos morrer.

- Mas olha, nem fudendo.

Peguei a gata (agora literalmente uma gata), enfiei debaixo do braço e abri o gás. Não sei por quanto tempo corri ou quais caminhos tomei, mas sei que, quando dei por mim, estava no antigo home office do meu pai em Copacabana, revirando as prateleiras atrás de uma arma e de alguns livros, enquanto explicava pra ele que "eu não tô maluca, tô fazendo isso pra salvar uma mulher por quem me apaixonei".

Quando ele finalmente se convenceu de que a porra ficou séria, tirou um .38 de dentro da gaveta - eu podia jurar que aquele .38 tinha sido roubado há quase 20 anos atrás - e uma pilha de livros clássicos do armário - Cervantes, Dumas, Machado de Assis - e enfiou tudo numa mala pra mim. Me disse que onde eu tivesse conhecimento, não estaria indefesa. Mas que, no caso de eu emprestar os livros pra alguém e não me devolverem, uma arma quebrava o galho também. Fez um cafuné na gata - ainda em sua forma Felix catus, ronronando como se não houvesse amanhã - e saiu, me deixando sozinha no apartamento com a sacola de viagem aberta em cima da mesa.

A gata se enroscou nas minhas pernas, sempre ronronando. Eu sabia o que ela queria, ou pelo menos achava.

- É ração que você quer?

Ela miou, inconformada.

- Olha, se seu plano for me seduzir pra me levar pra cama, deixa eu te deixar um negócio bem claro: por mais que eu tenha te comido em forma humana, zoofilia nunca foi minha praia. Ou você se transforma ou vai gastar esse cio se esfregando na parede.

Ela mordeu meu pé, irritada, com força. E aí eu acordei.

19.1.12

Mais um pesadelo pra coleção

Era uma festa muito, muito esquisita. Cheguei lá dirigindo com um pouco de dificuldade, porque estava escuro pra caramba e a parada era literalmente no meio do mato. Cau, Spike e Dude ficavam rindo da minha cara o tempo todo por eu demonstrar tão pouca intimidade com o volante.

De qualquer forma e com um pouco de sorte, achei a porra do lugar. Era tipo uma rave, só que não era bem uma rave. Música eletrônica vinha de algum lugar indefinido, pois não havia uma caixa de som à vista. Era tipo uma quadra de terra batida, numa clareira entre milhares de árvores. Logo avistei Dattoli e Lucas Sena, entre outros rostos conhecidos de outras festas estranhas com gente esquisita, e fui falar com eles atrás de meu brinco de golfinho.

Não sei quanto tempo se passou ou o que exatamente consumi, mas quando dei por mim a festa tinha acabado. Vagueei pra fora da clareira até o lugar onde as pessoas estavam reunindo suas coisas e dei de cara com meus três companheiros. Era noite fechada e só tínhamos sobrado nós. Eles estavam preocupados porque eu sumi. Eu ainda não estava muito bem, parecia estar me recuperando de uma viagem muito tensa de ácido, então sugeri que parte deles fosse levando nossas tralhas pro carro, estacionado um pouco mais distante, enquanto alguém me fazia companhia. Eu precisava desesperadamente ir ao banheiro, e não tinha coragem de ficar por ali sozinha. Só que aparentemente ninguém entendia o que eu estava falando, porque Spike, o último a se dirigir ao carro, saiu de perto, carregando um teclado de computador e uma mala rosa.

O banheiro era um casebre. Literalmente um casebre. O lugar estava caindo aos pedaços, madeira apodrecendo, o chão ensopado de água e sabe deus que outros fluidos mais. O cheiro era insuportável, o único reservado com a porta aberta tinha a privada transbordando, e eu me senti numa cena de Trainspotting. Foda-se, preciso mijar, suspendi a saia, arriei a calcinha e tentei me equilibrar precariamente, sem encostar em absolutamente parte nenhum daquele pardieiro.

Nessa hora, vi sangue escorrendo e pingando na minha calcinha. "Puta que pariu", pensei, "que hora filha da puta pra ficar menstruada".

Só que era muito sangue.

Sangue demais.

Quando pingou uma gota na minha testa eu percebi que aquela porra não era minha.

Olhei para a parede na qual eu tentava arduamente não tocar. O sangue escorria por ela, pingava do teto, aumentava a umidade e o cheiro do lugar. Chovia sangue em mim, nas minhas roupas, em tudo. Tentei gritar pra chamar os meninos, mas sabia que eles estariam longe do alcance da minha voz.

Olhei pro espaço entre o chão e a divisória, e finalmente a vi. Era um rosto de velha, bem velha, bem decrépita, pálida e desgrenhada. A boca era um buraco negro cercado por esparsas estalactites e estalagmites pontiagudas, vorazes, podres. O sangue escorria por seu queixo, misturado a saliva e alguma outra coisa viscosa que eu não conseguia e nem realmente queria identificar. Entrei em pânico.

O rosto se aproximava e eu não conseguia levantar dali, pois ainda não tinha terminado meu serviço e o medo deixava minha bexiga frouxa e meus joelhos trêmulos. Era só um rosto, sem corpo, sem sentido, incorpóreo. E o rosto flutuou e alcançou a altura do meu.

Tentei mais uma vez gritar, implorar aos meninos que voltassem, que não me deixassem só, que me salvassem, mas a voz não saía de jeito nenhum. Do rosto fantasmagórico, uma língua pontuda, escarlate e fétida tentava alcançar meu rosto. Eu já estava coberta de sangue e sufocava com o grito que se recusava a sair. Não conseguia me mover. Sentia meu corpo se debatendo por dentro, mas, por fora, sequer um movimento. Eu sabia que os meninos estavam só me esperando, a chave do carro continuava comigo e eles não tinham como ir embora sem mim. Me fazer ouvir era a única chance de escapar, mas nem isso eu conseguia.

Acordei suada, agitada, gritando pelos meninos, xingando-os por terem me abandonado, sentindo uma dor lancinante no ponto da minha bochecha onde, molhada por lágrimas e minha própria saliva, eu ainda sentia o toque da língua detestável. No relógio, 3:15 da manhã. Cerca de 4h até o toque do despertador. Narrei minha história e voltei a dormir, rezando a qualquer divindade disposta a me escutar por um resto de noite sem sonhos.

17.1.12

Abraço

Abre os braços
Me deixa entrar

Fecha a porta
Aqui dentro
Faz frio
Faz falta

Falta tempo
Sobra vento
O espaço
Do abraço
Já esfriou

14.1.12

Superego

Mais uma queda:
Endureço.

Escamas cobrem a carne
Essa couraça não é real
É parte crucial da ilusão

O sorriso cínico
É o disfarce do esgar
O doce dos olhos
Arremata o amargo da boca

O último impacto
Finda a alma, o cristal
Sangue negro escorre pelas paredes
Que não vaze uma gota,
Que não caia uma lágrima.
Não vou deixar você me afogar.

Não vou pedir pra você me afagar.
Não vou pedir pra você se afastar.
De mim, só alegria;
De mim, nada mais.

Fingirei completamente
Que é dor a dor que sinto
Até que se apaguem as luzes
E o baile se encerre.

No escuro do quarto desato os laços:
Sem máscaras e sozinha, sufoco os soluços
E me permito afundar.

12.1.12

Livre arbítrio?

Quando eu fiz 17 anos, fui morar em Pernambuco com meu pai. Por nenhum de nós ser lá muito religioso (na realidade, nenhum de nós acredita em Deus. Pelo menos, não o cristão), e por questões de proximidade e economia, fui matriculada numa escola teoricamente laica a cerca de 15km de casa - sim, era a escola mais próxima. Fiquei bastante aliviada, porque a outra opção era uma escola católica, e eu me recusava a, em pleno terceiro ano, ter que perder tempo estudando religião.

No primeiro dia de aula, quando vi o crucifixo pendurado na parte de dentro do corredor das salas de aula, achei que tinha entrado na escola errada.

Do alto de meus 17 anos, eu era muito metida a gótica. Um ankh gigantesco pendurado no pescoço, sobretudo preto sem mangas e coturnos completavam meu uniforme escolar, chamando ainda mais atenção que a pele muito branca e o cabelo meio vermelho e meio loiro. Enquanto todos os alunos olhavam pra cara da novata com jeitão esquisito como se tivessem visto uma aparição, a novata em questão olhava com cara de "putaquepariucêssópodemestardesacanagem" pro símbolo religioso na parede. Ali eu já senti que ia dar merda em algum momento, mas não comentei nada ao chegar em casa porque minha reputação de aluna inútil já me precedi desde que eu repeti de ano por falta.

Os meses foram se passando, e cheguei a pensar que escaparia ilesa ao meu último ano de escola, mesmo sendo a novata que veio da cidade grande. Até o dia em que cheguei em casa e meu pai me esperava com cara de poucos amigos.

- Que foi, paizinho?
- Me disseram que você andou espalhando pros seus colegas de escola que sua mãe morreu de overdose de cocaína. Por que você faz tanta questão de aparecer? Que espécie de reputação você está tentando construir?
- Hein? Quando me perguntaram, eu disse que ela infartou. Quem foi que te disse um absurdo desses?
- A diretora. E eu particularmente me sinto mais propenso a acreditar nela do que em você. Vai ficar uma semana sem internet.

Me emputeci, obviamente, e, no dia seguinte, ao chegar na escola, procurei a diretora, que me disse que foi a professora de inglês que tinha espalhado tal patacoada. Fiquei quieta. A desgraçada da mulher, parecendo uma sapa gorda e verruguenta tanto em questões anfíbias quanto de orientação sexual, me odiava desde que percebeu que meu inglês era melhor que o dela. Dei de ombros e segui minha vidinha.

Até o dia em que a tal sapa resolveu implementar na escola - com grande concordância entre a maioria dos professores - a obrigatoriedade de se rezar um pai nosso em círculo de mãos dadas dentro da sala, todos os dias antes da primeira aula do dia começar. Deixa eu lembrar vocês aqui: não-cristã. Me senti afrontada e me recusei a participar da festividade.

No primeiro dia, a professora de biologia, quando expliquei a situação, deixou que eu ficasse em pé do lado de fora da sala enquanto oravam.

No segundo dia, o professor de geografia pediu que eu só ficasse de mãos dadas com os coleguinhas, mas sem rezar, só pra dar apoio moral, mas, que se eu me sentisse incomodada demais, poderia sair no meio. Fiquei só pela gentileza.

No terceiro dia, a primeira aula era da sapa.

Levantei-me junto com todos os outros e fui, emburrada, em direção à porta.

- Onde você pensa que vai, Dianna?
- Lá pra fora.
- Tem que rezar.
- Não sou cristã. Conheço meu direito a liberdade religiosa. Isso não faz parte da minha fé, seria falta de respeito comigo e com vocês.
- Se não rezar, vai ter que ficar sentada no meio do círculo. É bom que a gente reza pela sua alma também e tenta tirar essa ideias do demônio da sua cabeça.

Sem muita escolha, voltei pro meu lugar. Foi, possivelmente, o momento mais constrangedor da minha vida até então. Pela fervorosidade com a qual alguns colegas rezavam olhando pra mim, fiquei com a impressão de que muitos deles compartilhavam da opinião da professora. Eu queria sair dali correndo, me esconder, nunca mais voltar pra aula, mas ali eu decidi que não ia dar esse gostinho a eles. Aguentei a humilhação quietinha, caladinha, até o fim. No dia seguinte, a primeira aula seria com a mesma professora, e eu teria tempo pra pensar no que fazer.

Quando chegou a quinta-feira e eu vi a abençoada se aproximando, não tive dúvidas. Parei na porta da sala e lá fiquei.

- Não vai entrar?
- Depende. Você vai continuar me tratando como se eu fosse o anticristo?
- Não se você tomar vergonha na cara e rezar com a gente.
- Então não entro. Ou além de querer tolher minha liberdade religiosa você também vai aplicar punições físicas?
- Você quer ir pra sala da diretora?
- Depende, lá eu vou ter que ir contra tudo o que acredito e defendo?
- Como é?
- Olha, deixa. Eu sei o caminho.

Pisando duro e com a certeza de que, no mínimo, eu seria suspensa, lá fui eu para a sala da diretora. Os saltos dos coturnos faziam um som seco nas tábuas do chão. Bati na porta sem graça, e Dona Júlia me olhou sem surpresa.

- Deixa eu adivinhar. Pam queria te forçar a rezar e você não quis.
- É, Dona Júlia.
- Por quê?
- Porque não é minha fé. Não é no que acredito. Eu não quero repetir meu discurso, Dona Júlia. A senhora me conhece pouco, mas me conhece um pouco. Sabe que eu não posso concordar com isso.
- Faz o seguinte, então... Vou deixar um aviso na portaria permitindo que você entre com 10 minutos de atraso às quartas e quintas. Assim, você não precisa passar por esse constrangimento. Certo?
- Obrigada. De verdade.
- Vai beber uma água, depois direto pra sala.

Aliviada pela compreensão da diretora, fiz o que ela me pediu. Entrei de volta na sala sob o olhar emputecido da professora e curioso dos alunos, com um sorriso de orelha a orelha estampado na cara. Na hora, não percebi os cochichos na frente da sala enquanto me encaminhava pra minha carteira no fundão.

Na hora do recreio, corri para me juntar às minhas poucas amigas, todas de séries mais baixas, mas uma colega de sala me interceptou no meio do caminho e me disse que queria me mostrar um negócio legal no laboratório de informática. Lá fui eu atrás, me sentindo uma vencedora depois do embate com a professora de mais cedo. O laboratório era no subsolo, tudo escuro. Ao chegar lá, dois meninos barraram a porta com cadeiras. A sala estava na penumbra, só as luzes dos monitores acesas.

- Que merda é essa?
- Desculpa, mas a gente gosta de você e quer te trazer pro lado da luz. Você se incomoda se rezarmos por você?
- Olha, eu agradeço a preocupação, mas acho que luz por luz eu prefiro a lá de fora... Eu sou meio claustrofóbica, sabe?
- Você precisa conhecer a bíblia.

Olhei ao redor, os olhos mais habituados à semi-escuridão. Não sei se era o ambiente tétrico ou a atitude irracional, mas o que vi foi uma meia dúzia de zumbis religiosos me olhando com aquele ar de quem espera salvar uma alma perdida e, com isso, garantir sua entrada no céu. Senti um misto de medo e de emputecimento. Quem aqueles desgraçados achavam que eram? Pra variar, o nervoso todo da situação me fez falar a primeira merda que me veio na cabeça.

- Olha, galera, valeu o interesse, mas, antes de começar a usar as folhas pra apertar baseados, eu li a bíblia toda. Curto muito como ficção, os caras que escreveram eram bastante criativos.
- Você precisa aceitar a palavra de deus. Você está com o demônio no corpo.
- Olha, eu não acredito nem em um nem em outro, mas se você tá dizendo...
- Deixa a gente rezar pela sua alma.
- Tá, olha, foda-se. É o único jeito de vocês me deixarem sair? Então vai, reza aí e pronto. Juro que fico quietinha.

Nessa hora, dois dos meninos, bem maiores que eu, me puxaram e me botaram de joelhos no chão. Uma menina mirradinha de cabelo cacheado botou uma mão em minha cabeça, os outros fizeram um círculo e se deram as mãos. A baixinha começou a falar. Na verdade, nem prestei atenção no que ela falava. Estava muito entretida tentando controlar minha vontade de chorar de raiva pela humilhação, pela impotência, pela ignorância da menina. Ela rezava pedindo a deus pra salvar minha alma, eu rezava pra tudo que é deus pra iluminar as mentes daquelas criaturas, e pela primeira vez na vida achei que o deus deles teria mais sorte do que os meus todos juntos. A sessão de tortura levou quase o intervalo inteiro. Minha barriga rugia de fome, eu ainda estava em jejum e sabia que se desmaiasse ali todo mundo ia dizer que era o tal do demônio saindo de mim.

Tão logo acabaram a palhaçada, saí correndo e me escondi no banheiro pra chorar.

Chegando em casa, depois da aula, contei tudo pro meu pai. Passei uma semana sem aparecer na escola. Quando finalmente voltei, me contaram que meus agressores tinham sido suspensos. Achei pouco.

Achei pouco porque soube depois que os pais fizeram todo um fuzuê na escola porque acharam que os filhos foram punidos injustamente. Achei pouco porque eles ganharam uns dois dias de folga na escola enquanto eu ganhei uma vida inteira de trauma. Achei pouco porque esse preconceito imbecil é fomentado e incentivado dentro de casa, por pessoas que seguem uma religião que teoricamente prega o amor ao próximo. Achei pouco porque, num estado teoricamente laico, pessoas como eles podem professar suas religiões e eu não posso simplesmente optar por me abster de qualquer contato religioso que envolva ferir a liberdade dos outros.

Achei pouco porque, mais do que me humilhar, eles tentaram ferir meu direito inalienável à liberdade de escolha.

Escrevi tudo isso por conta deste artigo aqui.

Agora quero que pensem cautelosamente se é esse o país que vocês querem deixar pros seus descendentes. Porque olha, cada vez que olho uma porra dessas, sinto mais e mais vergonha de ser brasileira.

9.1.12

Fênix

Chegou a um ponto tão insustentável de incêndio que eu vou precisar matar você em mim pra poder, enfim, renascer. Ainda que toda suja de cinzas e borras e fumaça e com pedaços chamuscados caindo pelo caminho.

3.1.12

Expectativa

Anos luz em tão pouco espaço
O que tanto se esperou
Os lábios que se tocam
No afã da intimidade roubada
Ambicionada, estimada
Roupas que se espalham,
Corpos que derretem
Horas que se esvaem.

Estremeço. Estremeces.
E tudo se repete, infindável
Até que Cronos nos separe, enfim.

A espera é longa e querida
Mas finda. Um beijo breve
E outro adeus, indeterminado

E agora, que faço eu
Com tantos minutos a escorrer pelas mãos
À espera da próxima vez?

2.1.12

Rebirth

Uma vida inteira de solidão pelas costas e, à frente, não parece que vai mudar muito. Parece que você se sabota de propósito. Você conhece alguém legal e age tão de impulso que é como se fizesse questão de fazer papel de louca e afugentar as pessoas. Ou o contrário: conhece uma pessoa maravilhosa, mas ela é tão distante do seu ideal que você é fria, inconsistente e acaba por você mesma fugir do tal como se tivesse visto assombração.

A verdade é que você não tolera que as pessoas gostem de você mais do que você delas, e ninguém que você goste a ponto de cogitar se amarrar conseguiu, até hoje, encontrar o equilíbrio. E você se odeia por isso, por ser tão exigente ao querer mensurar o sentimento alheio.

Por medo de se machucar, você toma a decisão de, mais uma vez, se fechar em sua própria ostra. Não dar mais corda pra ninguém. Se convencer de que não precisa de ninguém, que se basta sozinha, que a única utilidade de outras pessoas no seu mundinho pessoal é pra satisfazer necessidades sexuais e adeus. E segue vivendo assim, intensamente, por quase um mês inteiro, ainda lamentando a última ferida pelos cantos, mas, na fachada, feliz.

Até o dia em que você encontra uma pessoa que parece promissora. Alguém que não te entedia, alguém que parece querer o mesmo que você - ou seja, nada demais. E, à partir desse momento, tudo muda. De novo. E as músicas não descem da mesma forma que antes. E tudo parece querer ter um sentido oculto. E aí bate aquele medo de se jogar demais de novo, de cagar tudo de novo, e aí? Aí, é claro, você se retrai. Melhor que ele não te ache uma louca. Mesmo que acabe dando em nada no final.

E aí fica nessa putaria pra sempre, até o dia em que você percebe que perdeu todas as chances que poderia ter porque ficou com medo de arriscar. E a vida continua.