21.3.13

Surrealidades da vida


No ponto de ônibus escuro, sombrio e deserto da Federação, estava eu sozinha esperando o transporte milagroso que me levaria para casa. De repente, não mais que de repente, surge das trevas profundas que me cercavam um grupo de rapazes jovens, todos trajando roupas da Cyclone, gesticulando muito e falando alto naquele dialeto próprio deles. Eis que um deles se aproxima de mim e para, bem na minha frente, fixando os olhos em mim.

A essas alturas, sozinha como estava, eu não poderia sequer emitir um flato, já que o buraco de saída dos mesmos estava tão fechado que já tinha deixado de existir.

Ele manteve o olhar fixo em mim por uns segundos, desviou o mesmo para meu cigarro aceso já pela metade, e exclamou:

"PORRA VÉI, ISSO SIM É QUE É UMA BRASA DE RESPEITO!"

E seguiu seu caminho.

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Uns poucos minutos depois, desci do ônibus no ponto final perto de minha casa. Andava ainda no modo "não passa nem pensamento", já que minha vizinhança não inspira confiança alguma, quando ouvi passos extremamente apressados atrás de mim. Olhei pra trás e era uma velhinha, dessas bem velhinhas mesmo, que a gente imagina indo dormir depois de alimentar os gatos a uma hora dessas da noite. Ela me viu e começou a tagarelar, como se continuasse uma conversa que eu não me lembrava de ter existido.

"Pois é menina, sempre que eu desço do ônibus e tô chegando perto de casa eu fico desesperada pra fazer xixi."

"Como é, senhora?"

Sempre andando depressa, a essas alturas quase me ultrapassando, ela explicou.

"É. Tem banheiro lá perto de onde eu trabalho, mas eu odeio usar banheiro público, então seguro até chegar em casa. O problema é que, quanto mais perto chego, maior a vontade, né? Então eu já bato o portão de casa com tudo querendo começar a pingar. E corro pro banheiro. O problema é que o pessoal fica querendo parar pra conversar, e eu fico tendo que segurar mais. Odeio parar pra conversar na rua quando tô apertada. Acontece com você?"

"É... normal, acho."

"Pois é, ainda mais numa rua escura dessas, fica perigoso, aí dá medo, com medo dá mais vontade ainda de fazer xixi, né?"

"É..."

A essas alturas, não ouvi mais o que ela dizia. Ela já estava a uns bons metros à minha frente, e continuava a tagarelar, agora com um rapaz que tinha surgido sabe-se lá de onde.

Até agora me pergunto: se ela não gostava de conversar... por que, meu deus, por quê?

8.3.13

Eu fico me perguntando o que é que as pessoas querem dizer, afinal, com essa história de que mulher tem que se dar valor. É valor comercial, de mercado? Valor no sentido de bravura? Eu, que até hoje só usei bolsa pra carregar minhas tralhas, nunca consegui entender esse conceito de ser tratada como se fosse ação.

Vejo homens - e, ai! mulheres também - desfiando ladainhas de "mulher que é mulher tem que se dar ao respeito!", "se você não se valorizar, ninguém vai!", "fica dando pra todo mundo e quer arrumar namorado, pff", "mas também, com esse shortinho..." Com base em todos esses "argumentos contundentes", só consigo entender que essa palhaçada toda de se valorizar significa, simplesmente, deixar de ser a criatura sem valor que você intrinsecamente é e começar a ser um objeto a ser cobiçado pelo homem, uma moça "casadoira", mulher de família, etc. AI GENTE PARA. Para mesmo, que tá ficando feio.

Me envergonha profundamente ver mulheres ditas esclarecidas e modernas repetindo os mesmos clichês - que a essas alturas já perderam completamente o fundamento - que suas avós e mães repetiam ad nauseam. Moças, acordem para a vida: nem faz sentido direito mulher ser machista, é quase tão ruim quanto um homossexual ser homofóbico ou um negro ser racista.

Enfim. Esse texto todo é apenas para esclarecer: se ser uma mulher que se dá valor significa se comportar como uma santa, se vestir que nem freira e se submeter feito... uma oprimida, sei lá, faltou uma boa comparação aí, mas enfim, se significa tudo isso... Eu tô valendo menos que um ponto no Bomclube. E sabem o que é mais? Com orgulho!