27.8.11

Deixe que falem

Rasga minhas vestes ponta a ponta
Verte meu sangue sujo pelos cantos
Derrama teu veneno em ouvidos moucos
Não preciso do teu perdão

Não me importo com teu julgamento
Tuas verdades não condizem com as minhas
Tua realidade distorcida;
Teu acerto, meu erro e deus que me livre de errar

Quero o doce sofrimento da liberdade
Em vez da prisão amarga de teus cuidados vãos

Deixe de auto-enganação:
Toda essa preocupação é pra satisfazer teu ego
Nunca foi pra me proteger.

21.8.11

Cinzas

Tudo cinza. Um cinza tão profundo que não sabia pra onde olhar. Não que fizesse alguma diferença. Pra onde quer que olhe, só encontro o vazio. Não estou só, mas é como se fosse; as pessoas, vazias. O mundo, vazio. Minha própria alma, vazia. As noites sempre iguais, a rotina tirando-me a paz de espírito, os dias sem graça e a vida, mais ainda. Bocas sem rostos, mãos sem afeto, labuta em modo automático, a falta de amor, a falta de sinceridade, os problemas insossos da vida, o acordar, o existir, tudo me deprime. Não entendo o porquê, não entendo como, mas sempre acabo sabotando tudo o que dá certo e vindo parar nessa inexistência de cor, nesse meio-termo entre ofuscar-se e cegar-se no qual nada faz muito sentido.

Eu queria que, uma vez na vida, algo fizesse sentido. Queria ser capaz de acordar e saudar o sol e me sentir bem pelo que estou fazendo, mas abro meus olhos e só enxergo chumbo. Nem o sorriso dele traz cor aos meus dias cinzentos. Talvez porque ele, também, seja uma pessoa cinza, não sei. Não me importo, não quero saber. Não vou mover uma palha, porque já conheço o fim da história: o nada. Que chegará mesmo com a inação. É a inação que escolho. E assim, não agindo, vou rumo ao nada do fim dos meus dias. Cinza, muito cinza. Até que eu mesma canse, me incinere e vire cinzas.

9.8.11

O Fim

- Agora acabou de verdade.
- … E agora?
- Agora ele me botou pra fora de casa.
- Puta bosta. Eu te ofereceria de ficar lá comigo, mas tô voltando pra minha cidade amanhã.
- Sua casa tá cheia?
- Não, minha família só volta de viagem daqui a uma semana.
- Então meu problema está resolvido.
- Como assim?
- Eu vou contigo, ué.
- Mas isso não vai dar merda?
- E daí? Ele já me odeia.
- Ele nos odeia.
- Mais um bom motivo pra sumirmos das vistas dele.
- Mas você vai ficar bem? Fim de namoro é sempre uma bosta.
- Enquanto eu não ficar sozinha, eu estou bem.
- E você confia em mim pra cuidar de você?
- Sempre.
- Então, vamos juntos.
- Te amo.
- Também te amo.
- Que bom. Mas e aí, sexo no banheiro do ônibus?
- Sempre.

8.8.11

Romance político

Conheci numa passeata pelos direitos estudantis, e continuamos nos esbarrando em diversas plenárias pela zona norte afora. Cogitei a possibilidade de ir lá puxar um papo, mas já estava meio-que-comprometida com outro dos meninos do partido, então segurei a onda. Mas anotei seu nome no fundo da memória mesmo assim, para futura referência, e por isso pude cumprimentá-lo com desenvoltura quando me bati com ele no lugar onde eu costumava ir andar de skate e beber.

Ele era até bonitinho, visto assim à luz do meu círculo de amizades mais frequente, mas tinha um terrível defeito - estava aos beijos e abraços com um desafeto meu. Ou desafeta. Enfim. Era uma gracinha, mas já estava tomado e, pior, por alguém que não tinha absolutamente a menor graça. Tudo bem. Não faz diferença, ele é muito hard rock farofa pro meu gosto mesmo, quero mais é saber da galera mais headbanger. Virei as costas e continuei conversando com o cabeludinho que insistia em tentar me ensinar a jogar um card game qualquer que nem me interessava tanto assim.

Alguns dias depois, fui a um bar com minha mãe e ele estava lá. Dessa vez, nem companheiro de partido nem desafeta estavam presentes; claro que eu não ia deixar passar a chance. Nem precisei gastar muito do meu charme e em poucos minutos já estávamos nos atracando contra alguma parede da rua movimentada. O problema é que tudo estava intenso demais, provavelmente devido à alta concentração de vinho em nossos sangues, e logo se tornou necessário que encontrássemos um local um pouco mais reservado. Por sorte, eu conhecia um prédio abandonado logo ali, do ladinho de onde estávamos. E foi aí que erramos.

Mal atingimos um patamar suficientemente escuro, as mãos e as roupas e outras partes de nosso corpos teimavam em se tocar e esfregar e contorcer. Um zíper foi aberto; uma embalagem de plástico metalizado, rasgada. Deslizou para onde queria, e foi aí que, em meio aos sons de respiração entrecortada, ouvimos uma voz gritando, a plenos pulmões, "QUE PUTARIA É ESSA AQUI".

Viramo-nos lentamente e demos de cara com o cano de uma arma apontada para nossas cabeças. Aparentemente, desde a última vez que qualquer um de nós utilizou aquele local para esses fins, ali havia se tornado o point dos traficantes e usuários de qualquer droga que não fosse maconha (porque essa era amplamente consumida abertamente mesmo na rua onde estávamos). O traficante em questão esperou impacientemente que nos vestíssemos, deu na cara do pobre bonitinho com a coronha e perguntou o que tínhamos pra perder. Além de nossas dignidades e vidas, aparentemente. Timidamente, tiramos dos bolsos o que restava de camisinhas, uma carteira de cigarros amassada, um isqueiro e documentos. Não conseguíamos olhar nos olhos nem de nosso captor nem um do outro. Percebemos que ele analisou rápidamente o resumo de nossas minguadas posses antes de nos devolver tudo e mandar a gente sair dali voando. Acho que as calças foram subidas e devidamente abotoadas a meio caminho da porta.

Constrangidos, conferimos juntos nossos pertences na rua e voltamos para o bar. Cada um no seu canto. Nunca mais o vi, nem em plenárias, nem em passeatas, nem em pistas de skate. Eis aí mais uma coisa destruída pelo tráfico: o companheirismo pós-sexo.

3.8.11

Carta para Gigi, volume 2

Já desisti de esperar essa ferida fechar.

Oito anos. Uma vida. Meu filho não-nascido já saberia ler e escrever. Seu bar já seria o lugar mais badalado de Araxá. E nós ainda seríamos melhores amigas.

Esse é o oitavo ano em que não comprei rosas, não preparei um café, não fiquei em casa o dia inteiro pajeando. Oito anos sem seu sorriso torto e seu cabelo bagunçado. Oito anos sem dar pitaco na sua roupa, reclamar da minha calça de couro no seu armário, roubar seus cigarros. Oito anos sem te acordar dando feliz aniversário. Oito anos sem você.

Será que você se orgulharia das minhas escolhas? Será que escolhi o caminho certo? Tão difícil de dizer... Sem você por perto, não para me guiar, mas  para aconselhar, não dá. Estou sozinha. Estou irremediavelmente sozinha, e devo admitir que às noites me pego fingindo que é você me fazendo cafuné.

E já me faltam palavras pra dizer o quanto sinto sua falta, ou o quanto eu queria que você estivesse aqui comigo pra ajudar a fechar esse buraco no meu peito. Na ausência de tantas palavras, vou resumir tudo em duas:

Amor. Saudades.

E que a gente possa se reencontrar.

2.8.11

Álbum

A fotografia esmaecida
Inocência perdida
Momentos felizes?
Nunca mais.

Quantos desses rostos ainda sorriem?
Quantas famílias inteiras?
Quantas almas encontradas?

Bilhetes amassados
Cartões manchados
Uma rosa seca.

Amareladas as lembranças
Decaídos os alicerces
Feche a tampa da memória:
Os dias se acabaram.

1.8.11

Duas verdades

Gostava dele como amigo. Beijaram-se, fizeram piadas a respeito, despediram-se com um selinho na porta de casa. A vida continua, a amizade continua, nada mudou.

Gostava dele como amante. Sentaram-se juntos, beberam, conversaram a noite toda. Na hora de ir embora, abraços. A vida continua, mas algo mudou. Apaixonou-se.