28.10.10

Epitáfio

Faz frio aqui dentro. Faz frio lá fora. É tudo gelo, está tudo congelando, e toda a proteção do mundo não vai me manter a salvo. Estou congelando, e em breve não haverá mais esperança de verão. Mesmo que o sol queime, mesmo que se incendeie tudo, mesmo que o mar incandesça e magoe meus olhos cansados e acostumados à escuridão - continuarei no lento processo de me tornar uma estátua gélida, incapaz de me mover, congelada como congelados parecem estar os anos.

É a falta que sinto dele. Ele, que tantas noites me aqueceu, em vão. Ele, que protegia o que em mim havia de mais precioso. Guardião dos meus sonhos e esperanças, perpetrador das ilusões e desejos, que por tantos anos julguei ser eterno em mim. Moldei-o e mistifiquei-o dentro de mim, recriei-o à minha imagem e semelhança e me iludi ao crer que era a única que realmente o conhecia a fundo. E agora, enfim, ele me abandona, e eu não sei mais o que fazer com todas as coisas que criei em sua honra. Não sei o que fazer com essa ausência de sentimentos. Não sei o que fazer com o vazio que cresce, aterrador, e me devora, e me consome, e me exaure ao limite.

Saudade. É tudo o que me resta para manter a sanidade, para me fazer confiar que ainda não enlouqueci de vez, para que eu acredite que ele realmente existiu em minha vida. Ele não existe mais, mas sei que, enquanto eu for capaz de me lembrar da calidez de seus toques em minha alma, vou conseguir me manter sã.  Sei que minha vida continuará, mas sempre faltará alguma coisa. É a fé na reencarnação que me faz seguir em frente.

A verdade é que não sei como reagir à morte do amor em mim.

26.10.10

Seca

Não sei medir ou conter o que sinto; nessa vida, só sei sentir. Foi só o que aprendi, e até nisso sou auto-didata. Não vou mentir: sequer sei quem ou o que sou, ou para que sirvo. Só sei o que sinto, e, de uns dias pra cá, só sinto amor. O pior tipo de amor, aquele que não se concretiza, fica estagnado e morre de solidão. Mas o meu se concretizou, e viveu, e correu livre e desbragado até o momento em que deixou de ser. E aí fico eu aqui, com todo esse volume de sentimentos ocupando um espaço imenso dentro do meu peito, sem ter por onde dar vazão, sem que eu tenha pra onde correr pra aliviar esse contrário de vazio, essa amplitude que eu descobri dentro de mim e preferia que nunca tivesse. Eu era seca, eu estava seca; agora, soçobro e afogo em mim mesma.

22.10.10

Recaídas

Você tinha deixado meus sonhos em paz. Passaram-se alguns dias, e eu achei que estava curada. Foram noites tranquilas, sem a dor nas costas característica de passar três dias seguidos tão agarrada com você que parecia que eu já fazia parte de você. Noites de saber onde eu iria dormir sem a menor sombra de dúvida, manhãs de acordar e saber onde está minha escova de dentes.

E aí, tudo começou de novo.

É o calendário cujas folhas não são arrancadas rápido o suficiente. São as músicas que insistem em me lembrar de você. São os textos que escrevi pra você. E agora, não bastasse todo esse excesso de informações suas na minha vida, você volta a assombrar meus sonhos. Novamente, você faz comigo todas aquelas coisas maravilhosas que só você soube fazer até hoje. E sussurra no meu ouvido que está feliz. E me dá a mão, e eu acordo. Acordo com uma de nossas tantas músicas na cabeça, que pra mim são nossas mesmo que pra você não signifiquem. Penso em você.

E eu quero muito acreditar que é só sexo, que nunca vai passar disso. Eu digo e repito mentalmente até quase enlouquecer. E aí eu lembro de você cuidando de mim, me protegendo sempre que estou por perto, e nossas conversas que me fazem quase acreditar que somos quase a mesma pessoa. E aí eu vejo que me apaixonei de novo. Tudo o que eu não queria que acontecesse.

Corro pro PC e coloco o CD de uma de suas bandas pra tocar. Hoje vai ser um longo, longo dia. E sem você.

18.10.10

Missing files

Eu, definitivamente, não sou uma pessoa organizada.

Na verdade, nunca fui; acho que CAOS é meu nome do meio. OK, talvez eu tenha nomes do meio demais, mas se eu precisasse escolher só um que defina minha situação, seria Caos. Até porque Esbórnia, Accident-prone e Desordem são todos manifestações desse meu caos interior. Mas isso é digressão. O fato é que uma professora minha certa vez disse que o ser humano não sabe lidar bem com o caos - é preciso encontrar lógica, ou criar lógica, em pelo menos um aspecto do que nos cerca para que possamos funcionar. Eu achava que quem formulou essa teoria o fez simplesmente porque não me conhecia. No entanto, esta manhã, enquanto enfiava as coisas de qualquer jeito na mochila, vi que eu não poderia estar mais equivocada.

Meu quarto existe num avançado estado de entropia permanentemente. Meu armário, a despeito dos meus esforços em organizá-lo, tem uma aparência constante de cidade saqueada por uma horda de piratas sanguinários e famintos. Meus cadernos de anotações misturam poesia, desenhos, rabiscos ininteligíveis, bilhetes apressados e números de telefone. E eu me recuso a entrar no mérito da questão da minha vida sentimental porque senão esse texto vai ficar quilométrico.

No entanto, Cheshire - sim, meu computador tem nome de gato - é impecavelmente organizado. Meus livros se dividem por tema e ano de publicação. Os CDs, ordem alfabética. DVDs, ordem alfabética e gênero. Sou doentiamente organizada com meus objetos de cultura e entretenimento, mesmo que o resto de minha vida seja a perfeita definição de balbúrdia.

Ou, pelo menos, era assim. Até hoje de manhã, quando descobri que não fazia a menor idéia de onde estava o case de seriados. Que eu precisava encontrar pra pegar uma temporada que fiquei de emprestar pra uma amiga. Sempre me orgulhei de manter pelo menos essa parte da minha vida organizada, e agora me pego revirando armário, escrivaninha e todo o resto.

E revira a bolsa, e revira a cama, e revira até a geladeira. Nada do case.

Se alguém visualizar um case de CDs andando por aí, por favor, peçam a ele pra voltar pra casa. Sinto falta das minhas mp3.

13.10.10

Retorno

O calor das noites frias
O conforto nas quinas
A máscara que pude, enfim, tirar

Perto, só sei ser eu mesma
Sem esforço nem maldade
Sem esperar compreensão
Sem palavras

Tudo parecia um sonho
Não sei nem se eu sou real
Mas não quero respostas
Só quero ser, real ou não
Só quero estar

Não me importo com a incerteza
Ou finjo que não
Sem ar
Sem chão

Até que o frio ficou quente
E o quente esfriou
E deixou o vazio entrar