21.7.11

O mendigo que ouvia Motorhead

Sozinha, toda de preto, na porta do cemitério. Em uma circunstância qualquer, poucos se atreveriam a se engraçar, mas o caso é que era um sábado à noite. Parou na banca de jornal ao lado do ponto e comprou uma carteira de cigarros. Acendeu um enquanto esperava. E foi aí que ele se aproximou.

- Ei!
- …  – Ela  se recusou a responder.
- Me arruma um cigarro desses aí, madame!

Era em momentos como esses que ela cogitava a possibilidade de parar de fumar. Menos um motivo pra ser abordada por malucos na rua, Muito a contragosto, tirou um cigarro da bolsa e entregou ao mendigo, esperando ser deixada em paz.

Não foi.

- Ei!

Ela tentou ignorar.

- Ei! Ruiva!

Ela desistiu de ignorar.

- Tá indo prum show de rock?
- Não.
- Tá indo estudar filosofia, então?
- Não! – a falta de lógica da sugestão fez com que ela deixasse escapar um sorriso.
- Tá indo fazer o quê, se não vai pro rock nem estudar filosofia?
- … Encontrar um amigo.
- Namorado?
- Não.
- E cadê o namorado?
- Em casa, dormindo, eu acho. Espero. Sei lá.
- E você tá indo encontrar com um amigo pra ir prum show de rock?
- Não! Só encontrar com um amigo! – Deuses, pensou, qual a cisma desse cara com shows de rock?
- Mas você gosta de rock, não gosta?
- É...
- Curte um Metallica?
- Curto.
- E um Mötorhead? Do you like it?
- Como é?
- Do you like it? Mötorhead, good music. Do you like it or not?
- Fuck yeah I do! – Gente, o mendigo fala inglês!
- I like Mötorhead. Eu queria ir num show deles, eu até ia, mas é frio demais pra mim. Fico por aqui mesmo, mais quentinho.
- É... Muito frio. E aqui é muito quente.
- É. Você tem fogo?
- Excuse me?
- Isqueiro. Lighter. Pra eu acender o cigarro.
- Ah... toma – ela acendeu o cigarro para ele, e guardou o isqueiro.
- Valeu. Posso ir pro show de rock com você?
- Eu não vou pra um show de rock!
- E estudar filosofia?
- Eu não vou... Olha, deixa pra lá.
- E formação acadêmica, você tem?
- Tenho. Mas o que isso...
- Que bom. É muito importante você fazer algo de útil pela humanidade. Eu comecei a fazer faculdade, mas larguei. Preferi beber. Você bebe?
- Um pouco.
- Vai beber hoje no show?
- Vou. Mas não no show. Pro qual eu não vou. Nem sei se tem algum show hoje.
- É show de quê? De rock?
- Amigo, eu já falei que não vou pra show nenhum. Mas, se fosse, sim, seria de rock. Possivelmente. A não ser que fosse de... rock. Olha, já estou ficando confusa, viu?
- E a faculdade, você fez de quê? Filosofia?
- Não, letras. Olha, o papo tá bom, mas eu tenho que ir, viu? Meu ônibus tá vindo.
- Tudo bem. Prazer em te conhecer, viu – Ele estendeu a mão. Ela arqueou a sobrancelha, e apertou a mão do mendigo – Você é muito legal.

Fez sinal pro ônibus e correu para a porta, ainda gritando, meio de costas, um “valeu!”. Enquanto entrava no ônibus, ainda ouviu um “bom show!”. Quando enfiou a cabeça na janela pra reclamar, mais uma vez, que não ia a show nenhum, ele tinha desaparecido. Ainda piscou umas duas vezes pra entender o que tinha acabado de acontecer. Certas coisas só acontecem na noite de Salvador.

4 comentários:

Evil Magus disse...

Hahahaha sensacional!

HAM disse...

Caraca! Se isso foi verídico mesmo, é incrível!!! Muito hilário!!! Eu conseguia visualizar a cena inteira Dee.
Eu já te disse uma vez que você escreve muito bem, né, garota?

QUando vai pensa em publicar um livro de contos? Talento você tem.

=D
TOTALLY AWESOME!

gabriel disse...

AEFHAFIAFHUIFHIAFAFHSIUHD, e esses shows de rock, hein? paishdasipdha

nossa, pqp

Barbedo disse...

cacete, eu to rindo muito.