19.2.19

Silêncio

Eu não queria que você parasse de falar nunca.
É estranho, né?
Eu nunca soube bem como definir isso,
mas acho que gosto mais de ideias do que de pessoas.

E você falava bem sobre suas ideias,
e eu não queria que você parasse de falar,
porque quanto mais você falava,
mais eu me apaixonava pela ideia de você.

(Acho que acabei me apaixonando
pela imagem de você que eu criei
com base no que você escolheu me mostrar
e o resto eu fui preenchendo
com minhas próprias expectativas.)

Mas tudo que é incrível
um dia tem que acabar,
e você parou de falar,
e eu fiquei sem saber o que fazer
com tanto pathos
querendo escapar desarrazoadamente pela minha boca,
e eu não queria te assustar
com a tormenta que se formava dentro de mim,
então eu te beijei
pra tentar amenizar a intensidade
do que eu estava sentindo.

Eu não queria que você parasse de me beijar nunca.
É estranho, né?
Parece que seus lábios falam a minha língua
de todas as formas possíveis.

E o que era intenso transbordou,
e eu não podia suportar mais a ideia
de terminar a noite
sem sentir o calor da sua pele.

(Doía pensar que depois daquela noite
eu iria embora
e talvez eu nunca mais te visse
e talvez morresse sem saber
se seu corpo era mesmo o mesmo número do meu.)

Eu sabia que nunca ia conseguir te esquecer
se não desse uma noite de folga ao meu superego
e me permitisse perder o controle uma vez na vida.

Chego a esquecer
que tentei criar uma máscara
para não te mostrar
os monstros que se escondem aqui dentro,
pois é como se nos conhecêssemos
desde a infância
e fôssemos jovens novamente.

Inconsequentes.

Você corava
como uma donzela
todas as vezes
que nossos olhos se encontravam,
seu rosto contorcido
na tentativa
de conter seu transbordo.

Acendi um cigarro - você,
sem saber o que fazer com os olhos ou com as mãos,
voltou a falar
sobre qualquer coisa que lhe viesse à cabeça.

(Quando não sei o que dizer,
 deixo meu corpo falar.
Quando você não sabe o que fazer,
 deixa sua boca falar.)

Eu queria que você não tivesse começado a falar nunca,
porque eu sabia, no fundo,
o quanto a inevitável ausência da sua voz
doeria mais que não ter te conhecido.

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