19.1.12

Mais um pesadelo pra coleção

Era uma festa muito, muito esquisita. Cheguei lá dirigindo com um pouco de dificuldade, porque estava escuro pra caramba e a parada era literalmente no meio do mato. Cau, Spike e Dude ficavam rindo da minha cara o tempo todo por eu demonstrar tão pouca intimidade com o volante.

De qualquer forma e com um pouco de sorte, achei a porra do lugar. Era tipo uma rave, só que não era bem uma rave. Música eletrônica vinha de algum lugar indefinido, pois não havia uma caixa de som à vista. Era tipo uma quadra de terra batida, numa clareira entre milhares de árvores. Logo avistei Dattoli e Lucas Sena, entre outros rostos conhecidos de outras festas estranhas com gente esquisita, e fui falar com eles atrás de meu brinco de golfinho.

Não sei quanto tempo se passou ou o que exatamente consumi, mas quando dei por mim a festa tinha acabado. Vagueei pra fora da clareira até o lugar onde as pessoas estavam reunindo suas coisas e dei de cara com meus três companheiros. Era noite fechada e só tínhamos sobrado nós. Eles estavam preocupados porque eu sumi. Eu ainda não estava muito bem, parecia estar me recuperando de uma viagem muito tensa de ácido, então sugeri que parte deles fosse levando nossas tralhas pro carro, estacionado um pouco mais distante, enquanto alguém me fazia companhia. Eu precisava desesperadamente ir ao banheiro, e não tinha coragem de ficar por ali sozinha. Só que aparentemente ninguém entendia o que eu estava falando, porque Spike, o último a se dirigir ao carro, saiu de perto, carregando um teclado de computador e uma mala rosa.

O banheiro era um casebre. Literalmente um casebre. O lugar estava caindo aos pedaços, madeira apodrecendo, o chão ensopado de água e sabe deus que outros fluidos mais. O cheiro era insuportável, o único reservado com a porta aberta tinha a privada transbordando, e eu me senti numa cena de Trainspotting. Foda-se, preciso mijar, suspendi a saia, arriei a calcinha e tentei me equilibrar precariamente, sem encostar em absolutamente parte nenhum daquele pardieiro.

Nessa hora, vi sangue escorrendo e pingando na minha calcinha. "Puta que pariu", pensei, "que hora filha da puta pra ficar menstruada".

Só que era muito sangue.

Sangue demais.

Quando pingou uma gota na minha testa eu percebi que aquela porra não era minha.

Olhei para a parede na qual eu tentava arduamente não tocar. O sangue escorria por ela, pingava do teto, aumentava a umidade e o cheiro do lugar. Chovia sangue em mim, nas minhas roupas, em tudo. Tentei gritar pra chamar os meninos, mas sabia que eles estariam longe do alcance da minha voz.

Olhei pro espaço entre o chão e a divisória, e finalmente a vi. Era um rosto de velha, bem velha, bem decrépita, pálida e desgrenhada. A boca era um buraco negro cercado por esparsas estalactites e estalagmites pontiagudas, vorazes, podres. O sangue escorria por seu queixo, misturado a saliva e alguma outra coisa viscosa que eu não conseguia e nem realmente queria identificar. Entrei em pânico.

O rosto se aproximava e eu não conseguia levantar dali, pois ainda não tinha terminado meu serviço e o medo deixava minha bexiga frouxa e meus joelhos trêmulos. Era só um rosto, sem corpo, sem sentido, incorpóreo. E o rosto flutuou e alcançou a altura do meu.

Tentei mais uma vez gritar, implorar aos meninos que voltassem, que não me deixassem só, que me salvassem, mas a voz não saía de jeito nenhum. Do rosto fantasmagórico, uma língua pontuda, escarlate e fétida tentava alcançar meu rosto. Eu já estava coberta de sangue e sufocava com o grito que se recusava a sair. Não conseguia me mover. Sentia meu corpo se debatendo por dentro, mas, por fora, sequer um movimento. Eu sabia que os meninos estavam só me esperando, a chave do carro continuava comigo e eles não tinham como ir embora sem mim. Me fazer ouvir era a única chance de escapar, mas nem isso eu conseguia.

Acordei suada, agitada, gritando pelos meninos, xingando-os por terem me abandonado, sentindo uma dor lancinante no ponto da minha bochecha onde, molhada por lágrimas e minha própria saliva, eu ainda sentia o toque da língua detestável. No relógio, 3:15 da manhã. Cerca de 4h até o toque do despertador. Narrei minha história e voltei a dormir, rezando a qualquer divindade disposta a me escutar por um resto de noite sem sonhos.

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