14.1.11

Gelo

- Suas unhas estão lindas hoje.

Porra, pensei. De novo esse papo, cara? Balancei a cabeça pros lados quase que imperceptivelmente, de incredulidade. Ele aparentemente não percebeu, mesmo. Resolvi mudar a tática.

- Obrigada. É pra combinar com a camisa.
- Não, não é. Você está com esse esmalte desde segunda-feira, e só vestiu verde hoje.
- Ah, quer dizer que você reparou?
- Sempre reparo. Foi assim que você me queixou, lembra?
- Lembro, claro.

Claro que lembro. E não foi assim. E não fui eu quem te queixou. Mas guardei essas informações pra mim. Vai que era um teste? Vai que ele queria saber se me marcou de alguma forma?

- Então... você sumiu.
- Te vejo aqui todos os dias.
- Não, eu quis dizer... da minha vida pessoal.
- É, isso é.
- E o namorado?
- Tá lá, no Rio. Ainda não o conheço pessoalmente.

Gastei alguns segundos rindo internamente da expressão de choque no rosto dele.

- E foi por um cara que você nem conhece pessoalmente que você me trocou?
- É. Pelo menos ele se importa com certos detalhes.

Apaguei meu cigarro na sola das sandálias e joguei na lixeira mais próxima. Me preparava para voltar ao trabalho, quando ele me puxou pelo braço.

- Ei... Vai fazer o que hoje à noite?
- Falar com meu namorado.
- Certo, certo, seu namorado... e depois disso?
- Dormir.
- Com alguém?
- Não.
- Posso me candidatar?
- Não.

Entrei no prédio e movi minhas coisas para a carteira mais distante possível da dele, na esperança de conseguir me esquivar dos olhares carregados de significado, para que ele não visse os meus vazios de interesse. Ao final do dia, me recusei a esperar. Ele que espere. Pro resto da vida, se assim o desejar.

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