18.11.13

Batalha nossa de cada dia

Não é como se eu já não estivesse mal. Não é como se meu mundo já não estivesse à beira de um precipício, pendurado pelos dedos e no final de suas forças. Não é como se a porra da chuva que as nuvens prometiam não refletisse meu estado de espírito.

Não é como se eu precisasse que o lugar ao lado do meu no ônibus fosse ocupado por um babaca, desses com pinta de que batem na mulher, abusam dos filhos e mexem com qualquer mulher que passar na rua confortavelmente instalados em seus tronos de rei-do-boteco enquanto tomam sua cervejinha de fim de tarde de domingo.

Eu não precisava, mas é claro que tudo isso aconteceu. E o merda do meu lado sentou ocupando todo o espaço que restava entre eu e o resto do mundo, e ainda tomou mais um pouquinho do meu. Fiquei incomodada, óbvio, mas não tinha muito o que fazer - empurrar o cara um pouquinho mais pro lado requereria tocar nele deliberadamente, e isso era tudo que eu não queria fazer. Eu sentia seu braço pegajoso de suor de fim de expediente encostando no meu braço gelado de acabei-de-sair-do-ar-condicionado, e o nojo que isso me causava fez com que eu folheasse umas dez páginas do meu livro sem conseguir prestar atenção em nenhuma das palavras.

De canto de olho, olhei na direção dele. O filho da puta sorriu, e, pelo sorriso, senti o cheiro de cachaça. Um dos palpites estava certo. Eu não queria saber dos outros. Eu não sorri de volta. Voltei os olhos pro livro, e senti o corpo fétido - a essa altura, não sabia se o cheiro forte de suor-e-álcool existia de verdade ou se era construção da minha imaginação, mas eu já estava pra lá de nauseada e querendo vomitar -, seu corpo fétido de camisa de botão e calça jeans me pressionando um pouco mais contra a janela do ônibus, milímetro a milímetro, numa dominação lenta e discreta. Eventualmente, eu não tinha mais espaço para manusear meu livro, e o animal me cercando, sorrindo para mim seu sorriso vulgar e letárgico, e meus sentidos disparando em alerta contra essa ofensa que agora eu tinha certeza que era proposital.

Levei os olhos à janela em busca de socorro ou qualquer coisa que pudesse me libertar dessa situação desagradável, e não foi sem alívio que notei que meu ponto se aproximava. Enfiei o livro na bolsa e, com a voz mais grave que consegui encontrar - pelo meu estado de espírito, temi que a voz saísse parecida com um miado histérico de filhote de gato - pedi licença. Ele fez ouvidos moucos. Pedi licença de novo, já em pé. Ele me olhou como se eu fosse um pedaço de sujeira de cachorro que tivesse ficado preso em seus sapatos novos. Comecei a forçar a passagem.

Ele virou de lado no banco e, enquanto eu passava espremida entre suas pernas e o banco da frente, senti sua mão na minha bunda. Ainda sussurrou quando saí, alto o bastante para que eu ouvisse, baixo demais para qualquer outra pessoa - "gostosa, se te pego na rua escura te faço um estrago". Desci correndo do ônibus, agarrando a bolsa contra o peito e caminhando a passos rápidos sob a chuva que já começara a cair, com medo da própria sombra.

E é por isso que sou a favor de porte de armas.

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