5.11.12

Rapaz bem nascido procura moça direita para casar

Nove e vinte e cinco e a porra do ônibus de nove e dez ainda não apareceu. Não que ônibus atrasar em Salvador seja grande novidade. Sentei na mureta do prédio e acendi um cigarro, apelando pro velho truque do summon buzu. E lá se foi metade do cigarro e nada, e eu sozinha no ponto deserto, começando a rezar internamente pra tudo que é deus.

Aí que eu senti uma cutucada no braço e já olhei pro lado assustada né, vai saber, a Graça anda perigosa, vai que... E era um cara. Com a cara mais inofensiva do universo, de camisa xadrez pra dentro da calça jeans folgada e botas de couro, barba, óculos e uma barriga de fazer inveja na minha, cultivada a anos de cevada. E falando algo que eu não entendi.

- Oi?
- Do you speak English?
- Ahn... Yes, yes I do.
- Yay! Where do you live?
- Ahn... aqui em Salvador mesmo.
- Ah, mas você é de que país?
- ...sou brasileira.
- Ah é? Que bom! E você mora por aqui?
- Mais ou menos, tô esperando o ônibus.
- Ah. Posso pegar seu telefone?
- Oi?
- Meu tio vive dizendo que tá na hora de eu arrumar uma moça direita, que eu preciso namorar, mas tem que ser moça direita, hein! Que é pra casar. Que ele banca o casamento todo, e... posso sentar do seu lado? Então. Ele banca o casamento, champanhe, festa, cachaça, o que for, hahaha! E aí, você tem Oi? Anota seu número aí pra mim. Aliás, qual seu nome?
- Er... Dianna.
- Prazer, Dianna, eu sou Fred. Anota o número do seu Oi aí pra mim - e me estendeu o celular.

Nessa hora, senhoras e senhores, eu fiz o impensável. Eu realmente anotei o número do meu Oi no celular dele. Só não avisei, é claro, que o número está desativado há mais de dois anos, mas ele pediu meu Oi...

- Então, anota aí o meu. É Oi, hein? E meu nome é Fred. F, R, E, D. Pode me ligar a qualquer hora. Sou rapaz direito, acordo bem cedo, seis da manhã já tô de pé. Mas se quiser conversar com alguém meia noite, uma da manhã, eu ainda tô acordado também.
- Nossa, e você dorme que horas?
- Eu durmo pouco, é, eu durmo pouco. Só domingo que às vezes eu durmo uma meia horinha depois do almoço, aí eu vou no Shopping Barra passear, a menina de lá até falou que arranja passaporte pra mim. Mas eu sou de boa família, tenho uma fazenda de cavalos... Eu tava procurando uma esposa que falasse inglês, por isso que eu te perguntei se você fala inglês, porque eu não quero morar em Salvador pra sempre, sabe... A moça do shopping falou que arranja meu passaporte, daí é muito mais legal que ir até Recife só pra tirar o passaporte, né?
- Mas passaporte você pode tirar aqui. O visto é que é em Recife. Ou em São Paulo.
- Ah, não, ela disse que arranjava pra mim. Prefiro Recife. São Paulo é muito violenta. Você é americana?
- Não, sou brasileira.
- Mas não é daqui não, né?
- Não, sou do Rio.
- Olha que legal! Já tenho onde ficar quando resolver ir ao Rio!
- Nah, nem eu tenho direito onde ficar quando for pra lá.
- Por quê?
- Porque mal tenho família lá.
- Ah, tá bom. Nem quero mesmo ir pro Rio. Eu quero é ir pra Londres, ou pra Paris, ou pra Bélgica, ou pra França...
- Mas aí você tem que aprender francês também.
- Mas eu falo francês!
- É mesmo?
- É sim! Eu sempre fui muito bom em português, e quando a gente é bom em português, a gente é bom em francês também, né?
- Não é bem assim...
- É porque as duas línguas são parecidas, as duas vêm do latim. Quer ver?
- Fala aí.
- Hable tu français?
- Non, je ne parle pas français.
- Olha, tá sabendo! Então, você é casada?
- Não, sou noiva.
- Tá brincando?
- Tô não, olha aqui - e mostrei minha aliança de compromisso, na esperança de que isso encerrasse o assunto.
- Ai... quantos anos ele tem?
- 20 e poucos.
- Nossa, fedendo a leite! Você precisa de um homem mais velho, que possa prover por você.
- E quantos anos você tem?
- 23.
- ...
- Mas você veio fazer o que em Salvador?
- Vim pra me casar.
- Então casa comigo!
- Er. Você é muito legal, Fred, mas... olha! Meu ônibus! Tchau, prazer em te conhecer.
- Me liga, viu!
- Ligo sim.
- Beijo!

E pegou minha mão. E só soltou quando a porta do ônibus estava pra fechar nos dedos dele.

A gente faz qualquer coisa pra não ficar sozinha no ponto de ônibus tarde da noite, viu?

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