24.1.12

Gatas extraordinárias

Eu tava lá, de boa com o brother, quando de repente surgiu uma língua a mais na jogada. Não que eu me importasse - não faço muito o tipo ciumenta, todo mundo sabe disso. Só fiquei meio curiosa com o "de onde essa gata saiu", porque olha, a morena era linda demais, e aparentemente me queria tanto quanto queria o cara.

Depois de algumas idas, vindas, idas e vindas, finalmente acalmamos nossos corpos e corações e pude conversar um pouco com a morena. Ela me explicou que era casada com o cara há não sei quantos anos, e que ambos eram meio chegados nessas liberalidades de troca de casais, menáge, o escambau. Achei mais do que digno, e fiz questão de deixar isso bem claro.

Aí ela me disse que na verdade eles dois se juntaram porque tinham um detalhe tenso em comum. Por meio segundo me assustei, mas lembrei que tinha visto a mulher de tudo que era ângulo e não vi nem sinal de bônus, então consegui recuperar a calma o suficiente pra perguntar o que era.

Nessa hora ela virou um gato.

Juro pra vocês, ela se transformou num gato listrado cinzento minúsculo assim, sem mais nem porquê, bem na minha frente.

E foi essa a hora que o marido dela, que tinha ido tomar um bom banho, escolheu voltar pro quarto. Quando viu que o segredo tinha sido revelado, ficou puto e saiu de novo. Voltou com uma arma na mão.

- Da qual foi, muito doido? - perguntei pro cara - Vai pipocar a brother só porque ela me contou o segredo?

- Nós tinhamos um pacto. No momento em que alguém descobrisse sobre nossa real identidade, nós dois precisaríamos morrer.

- Mas olha, nem fudendo.

Peguei a gata (agora literalmente uma gata), enfiei debaixo do braço e abri o gás. Não sei por quanto tempo corri ou quais caminhos tomei, mas sei que, quando dei por mim, estava no antigo home office do meu pai em Copacabana, revirando as prateleiras atrás de uma arma e de alguns livros, enquanto explicava pra ele que "eu não tô maluca, tô fazendo isso pra salvar uma mulher por quem me apaixonei".

Quando ele finalmente se convenceu de que a porra ficou séria, tirou um .38 de dentro da gaveta - eu podia jurar que aquele .38 tinha sido roubado há quase 20 anos atrás - e uma pilha de livros clássicos do armário - Cervantes, Dumas, Machado de Assis - e enfiou tudo numa mala pra mim. Me disse que onde eu tivesse conhecimento, não estaria indefesa. Mas que, no caso de eu emprestar os livros pra alguém e não me devolverem, uma arma quebrava o galho também. Fez um cafuné na gata - ainda em sua forma Felix catus, ronronando como se não houvesse amanhã - e saiu, me deixando sozinha no apartamento com a sacola de viagem aberta em cima da mesa.

A gata se enroscou nas minhas pernas, sempre ronronando. Eu sabia o que ela queria, ou pelo menos achava.

- É ração que você quer?

Ela miou, inconformada.

- Olha, se seu plano for me seduzir pra me levar pra cama, deixa eu te deixar um negócio bem claro: por mais que eu tenha te comido em forma humana, zoofilia nunca foi minha praia. Ou você se transforma ou vai gastar esse cio se esfregando na parede.

Ela mordeu meu pé, irritada, com força. E aí eu acordei.

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