9.12.11

Sobre putas e amadoras

- Eu gosto mesmo é de mulher - ela disse, me olhando nos olhos. - Tenho um pouco de nojinho de pau, minha relação com os homens é puramente profissional.

- Engraçado. Eu já tinha ouvido falar que a maioria das garotas de programa e atrizes pornô tinham essa vibe, mas achava que era lenda. E porque escolheu essa... digamos, área de especialização?

- Preciso ganhar a vida né, meu. Trabalhando, todo mundo se fode de um jeito ou de outro. Pelo menos tô fodendo alguém também. Fora que sempre rola de encontrar uma cliente legal que nem vocês, aí fica mais prazeroso trabalhar. Me empresta o isqueiro?

- Tá aqui. Vê se não acaba com todo o meu fogo ainda aqui, hein.

Ela riu. Tinha o riso gostoso de ouvir, Morena. Era daquelas pessoas bem expansivas, brincando com todo mundo, extremamente alto astral. Depois de dez minutos de conversa, eu já tinha esquecido em que tipo de lugar e situação me encontrava. Aliás, depois de dez minutos de conversa, e todo o vinho bebido antes, e a vodka, e o cheiro intoxicantemente doce do ambiente, esqueci até que era minha primeira vez num puteiro. A outra menina também era divertida. Minha amiga, mais experiente, tinha tratado de toda a negociação. Eu estava ali só pra curtir o momento.

Depois de alguns detalhes cuidadosamente acertados – preço, quantidade de tempo, local, etc – entramos no táxi rumo ao motel, sob os olhares medianamente curiosos e abertamente lascivos dos outros clientes do lugar. Eu mesma ainda estava meio em choque. Quando minha amiga sugeriu irmos a um brega, uma ideia que pareceu consideravelmente mais atraente à medida em que as garrafas de vinho vazias se acumulavam no canto da mesa, imaginei que a gente ia só pra ver qual era a do ambiente. Não passou pela minha cabeça sair de lá acompanhada de alguma menina.

Chegamos a um motel que eu só conhecia de passar na frente da porta, e pensei com carinho na ironia das coisas – logo do outro lado da rua, o prédio da primeira menina com quem dormi. Paguei o táxi e subimos para o quarto. Ela já foi tirando os sapatos e subindo o vestido impossivelmente curto, deixando à mostra uma calcinha minúscula de renda vermelha. Minha amiga e a outra menina seguiram o exemplo, e eu não me fiz de rogada – chutei de qualquer jeito minhas sandálias rasteiras prum canto qualquer do quarto e me sentei na cama.

Júlia e Morena já estavam aos amassos, as bocas coladas como se suas vidas dependessem disso. Outro tabu, outra lenda quebrada – a de que puta não beija na boca. Dei de ombros e fui conversar com a outra. Dentro de pouco tempo, nossas roupas já estavam no chão e nossas pernas entrelaçadas. Ela olhou meio divertida pra mim e perguntou se eu já tinha feito sexo com mulher antes. Para ela, eu era a cara da heterossexualidade. À guisa de demonstração, subi nela e mostrei todos os meus conhecimentos, enquanto ela ria e dizia que eu era sensível demais. Minha sensibilidade escorria por entre nossas pernas, ecoava nas paredes do quarto, marcava-se de leve nas costas morenas e tatuadas da mulher. Os seios dela tinham gosto doce. Achei que combinava com seu nome adotado – Morango.

Quando terminamos, meu coração aos saltos dentro do peito, percebemos que Júlia e Morena tinham sumido no quarto contíguo. Eu estava exausta, mas ainda tínhamos algumas horas pela frente. Tomei uma cerveja para me recuperar do meu orgasmo barulhento e partimos para o round dois.

- Bonita tatuagem, a sua. O que são essas flores?

- É uma trepadeira. Fiz na prisão.

Minha curiosidade foi atiçada, mas estava entretida demais segurando o riso para perguntar porque ela esteve na prisão. De mais a mais, achei indelicado, por mais que, àquela altura, ela já soubesse que eu era escritora e que minha curiosidade era estritamente profissional. Ela percebeu meu desconcerto.

- Que foi, amiga?

- Achei curioso uma prostituta ter uma trepadeira tatuada nas costas, só isso.

Ela me jogou um travesseiro e riu.

- Pra quem é virgem de puta, você tá muito engraçadinha. E eu aqui achando que você era toda inocente...

- Você também achou que eu era hetero, gata. Aparências enganam.

Ela puxou um cigarro da minha carteira, acendeu e deu um gole na cerveja, à essa altura já morna. Olhou pra mim de cima a baixo, eu que me encontrava estranhamente confortável com minha nudez na frente de uma total desconhecida. Acedeu com um ar de aprovação.

- Vamos comigo pra praia amanhã?

- Como é?

- Um cliente me chamou pra fazer um programa de dupla na praia, mas minha amiga não vai poder ir. Não vai rolar de ir sozinha. Vem comigo!

- Linda, numa boa... Você mesma jogou na minha cara ainda agora que eu sou virgem de puta. Agora tá me chamando pra fazer programa também? Só se o cara quiser que a foda seja registrada em um conto erótico e for exibicionista. Ainda não tô na vibe de curtir uma onda dessas não.

- Que pena, ia ser legal ter você lá.

Nos enrolamos nas toalhas e fomos no quarto ao lado ver como nossas amigas estavam. Sentadas na cama, conversavam alegremente. Morango gritou, “ei, minha gente, vocês não fizeram amorzinho gostoso ainda não?”

As duas riram e nos chamaram para sentar na cama. Morena puxou o celular e me chamou mais pra perto.

- Olha aqui - começou a me mostrar fotos - a gente tirou foto com a Thammy Gretchen. Não é legal?

Olhei para o visor do Galaxy e lá estavam as duas, com a filha da rainha do rebolado no meio. Dei risada.

- Vocês foram tirar foto com ela porque ela apoia a profissão ou porque ela é do babado?

- Os dois, amiga. Tô te falando. Pau é trabalho, a gente curte mesmo é chupar buceta. Olha, tem foto com a Gretchen também, e essa é minha irmã, e...



Passava das quatro e meia da manhã quando o táxi finalmente encostou na frente do meu prédio. O taxista, amigo das meninas, ia levar Morango para casa, depois de me deixar. Júlia e Morena ficaram pelo motel mesmo, o programa delas era um pouco mais longo. Me despedi da menina com um selinho.

- Foi um prazer te conhecer, viu, linda?

- Você também. Foi legal. Pena que você não curte praia, podia ir junto só pela curtição.

- Talvez da próxima vez que você estiver em Salvador - disse, enquanto batia a porta do carro.

Ela abriu a janela e me chamou de volta.

- Escuta, você é mesmo escritora ou falou isso só pra tentar impressionar?

- Sou mesmo escritora. Te juro que meu interesse hoje a princípio era puramente profissional.

- O meu, a princípio, também, mas as coisas mudam, né. Então, posso te pedir uma coisa?

- Pode. Se der, eu faço.

- Escreve sobre a gente.

Um comentário:

escrava de jah disse...

eu fico me perguntando quais partes dos seus textos são verdade e quais partes são ficção, e isso é moh legal, gosto disso.