22.12.11

Ciclos

Passei a vida inteira pendurada na borda desse penhasco, me perguntando o que aconteceria comigo quando um dia eu acabasse caindo lá embaixo. Ia dia, vinha dia, e eu todo dia ali, contemplando as pedras lá embaixo. Será que cair dói? Será que, na metade do caminho, eu consigo aprender a voar? Será que um dia eu aprendo a descer por onde houver apoio? Aquele abismo representava todas as minhas dúvidas e esperanças, meus sonhos de criança e meus medos irracionais. Eu sempre tive pavor do penhasco e suas pedrinhas que se soltavam e iam se estatelar lá embaixo, no fundo do sem fundo que era a queda. Eu sempre me senti atraída pelo penhasco, como se fosse o vortex que encerraria todos os meus ciclos.

Enfim, um dia eu cresci - como todo mundo acaba por crescer algum dia - e acabei por me distanciar do abismo. Por muitos anos não vi aquela beirada que tanto me enchia de temor e assombro quando eu era menor. De vez em quando, voltava às origens e me perdia por horas a admirar o que eu achava que seria meu fim, mas sem tanta curiosidade. Sem pressa. Sabia que o dia ia chegar. Quanto mais o tempo passava, com mais tranquilidade eu observava a altura e calculava a queda. Achei que o dia nunca chegaria, tão pacata se tornou minha relação com aquele lugar.

Só que a vida gosta de nos surpreender. Quando eu menos esperava, o chão começou a, lentamente, receder sob meus pés. Quando eu menos esperava, a beira do abismo estava ali, olhando pra mim com aquela boca enorme, escancarada, parecendo querer me engolir por inteiro. Quando eu menos esperava... ah, mas é óbvio. As piores quedas sempre são quando a gente menos espera. E lá estava eu, pairando nos ares, e nada de aprender a voar, nada de dor, nada de apoio pras mãos. Só eu e o ar, cada vez mais rápido, e o chão, cada vez mais perto, e essa dormência, esse não sentir, cada vez me enfraquecendo mais. Nada mais formiga, nada mais bate, nada mais circula: eu, o ar, o chão, o vento, o chão, o chão, o chão...

Perdi o que tinha pra perder. Agora já foi. Do fundo do buraco onde me encontro, reencontro os velhos patamares da subida. Hora de reerguer, reestruturar, reconquistar. Mesmo que um dia perca tudo de novo.

Da borda do penhasco, vejo o mundo lá embaixo... E tudo começa outra vez.

Um comentário:

Aline disse...

Ai, fica difícil de comentar quando todos os seus textos me deixam sem palavras.