3.1.11

Carta para Gigi

Em quantas camas dormi desde que você se foi? Quantas lágrimas calei, quantos gritos de desespero febril engoli a seco com uma talagada de vodka ou cerveja sem gosto?

Muitas vezes me perdi, na esperança vã de encontrar um vestígio que fosse de você dentro de mim. Tentei fincar minhas bandeiras e chamar de lar todos os lugares em que estive, mas no fundo sei que nunca será para sempre. Eternamente de passagem, me jogo para lá e para cá, sem rumo, as bagagens nunca totalmente desfeitas, à espera do próximo passo.

E sempre, em meio ao caos que constantemente me cerca, pequenos souvenires de você. No armário, suas roupas que teimo em manter. Na caixa, fotos suas escondidas até de mim mesma. No meu peito, o seu símbolo. Nas minhas unhas, suas cores. No reflexo do espelho, seus genes que gritam, orgulhosos, sua herança.

E já fazem sete, sete ingratos anos, e você ainda está aqui, tão tangível quanto a fumaça do cigarro que você mesma me ensinou a tragar, tão impregnada, até em minha caligrafia, quanto a umidade nas roupas que secam nos varais de março.

Hoje choveu, e eu ouvi sua voz no sussurro do vento. Sei até, como o lavrador que sabe que o tempo vai mudar, que esta noite só pararei de chorar quando sentir seus dedos frágeis roçando meu cabelo.

Me pergunto, tolamente, se você teria orgulho de mim. Sei que sim, mas gostaria de poder ainda ouvir sua voz me dizendo isso.

Há muito mais que eu gostaria de dizer, mas tudo pode ser resumido em cinco ínfimas palavras:

Te amo. Sinto sua falta.

Um beijo,
Sua filha.


(originalmente escrito em 29/03/10)

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