20.12.10

Olhos

Sentou-se ao meu lado e fingiu não me ver. Difícil, numa sala daquele tamanho, mas ainda assim ignorou meu sorriso tímido, automático à sua entrada. Decidi que nem era comigo e me concentrei em observar fervorosamente as marcas de cupim no carpete velho, as mãos cruzadas sobre as pernas cruzadas. Linguagem corporal toda errada, gritando pro mundo que o desconforto era pelo novo membro do grupo.

Sua mão buscou a minha na hora menos apropriada. Um leve aperto. Para os incautos, um gesto de amizade. Para nós, tantos desejos velados que nem caberia nas palavras. Evitei seus olhos pelo resto do dia, sem coragem de admitir que algo neles mexia comigo. Acendi seu cigarro, sentei a seu lado, conversei desconversando, os olhos fugídios. Não era hora nem lugar para aquele flerte absurdo e despropositado.

Caminhou comigo até meu ponto de ônibus e conversou sobre coisas frias e mundanas. Vamos trabalhar juntos, preciso de alguém pra dividir um freela, como vai a faculdade? Os olhos cobertos por filmes negros, todos os quatro, os rostos firmemente voltados para o horizonte. As mãos que tornam a se encontrar na surdina, os sussurros em meio ao caos urbano: estou com saudades. Eu também. Na esquina, separam-se as mãos, as vozes, e restam só os desejos unidos. Os corpos, que pena, ficam para uma próxima ocasião. Ainda estou com saudades. Ele também.

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